31 de janeiro de 2009

RELATO DO SONHO

"É a velha estratégia de guerra: distrair o inimigo com um objetivo aparente enquanto o verdadeiro passa despercebido."(Alberto Goldin, livro Freud explica)


Um jovem de nome Daniel sonhou que entrava numa quitanda onde as frutas estavam expostas. Havia maçãs que o quitandeiro arrumara cuidadosamente de forma similar à arrumação de alhos ou cebolas, ou seja, como uma réstia. Todas as maçãs estavam unidas a um eixo central. Daniel, a quem os íntimos chamam de Dany, imprudentemente mexeu numa maçã, como freqüentemente fazemos nas quitandas, mas esta se desprendeu. O homem se irritou e o recriminou. Dany ficou muito preocupado e contou o sonho ao seu psicanalista. É preciso saber que Dany havia perdido, alguns anos atrás, a sua mãe, de nome Eva, em condições trágicas e inesperadas.

Uma qualidade dos sonhos é dar importância a situações banais da vida. Às vezes, seu conteúdo lembra vagamente experiências cotidianas que não tiveram maior relevância quando eram vividas. O episódio da maçã recordou ao jovem a clássica história de Adão e Eva no paraíso, no qual comer a maçã provocou tantos problemas. Essa recordação surgiu porque é recurso utilizado na interpretação dos sonhos pedir ao sujeito que associe livremente idéias em relação ao sonho. Neste caso, as associações o levaram por simples semelhança temática do quitandeiro ao paraíso. Se unirmos as palavras que pronunciou mudando o lugar de divisão das palavras, resultará A Dany Eva

Não é um erro de impressão, mas sim um acerto do inconsciente: o que ele queria dizer, e estava impedido, era que tinha muito desejo de estar com sua mãe de nome Eva e que a havia perdido. Para um jovem adolescente o amor à mãe poderia estar sexualizado; daí a necessidade desse desejo amoroso aparecer em código, por não ser um simples desejo consciente que poderia ser formulado verbalmente, mas sim um DESEJO INCONSCIENTE REPRIMIDO, que é o que constitui a essência dos sonhos. O inconsciente é cuidadoso com a gramática; racionalmente é diferente dizer Adão e Eva e "A Dany Eva"; assim o astuto inconsciente se diverte fazendo contrabando na frente de nossos narizes, dizendo coisas que jamais poderíamos dizer em voz alta e com boa dicção. seu sonho teve que se modificar e a forma que encontrou, nessa linguagem cifrada, foi usar o artifício do quitandeiro e da maçã.



Só Dany sabia que queria Eva, que seu desejo de estar com ela lhe era muito precioso neste momento; mas, como também estava muito excitado sexualmente, era-lhe impossível chegar perto da mãe, bela mulher com a qual, por seu desaparecimento prematuro, nunca esteve quando já adolescente e somente enquanto criança. Era-lhe lógico acreditar que não poderia estar junto da mãe sem misturá-la com sua sexualidade atual; por esse motivo teve que reprimir seu desejo e, com esse desejo reprimido, construiu um sonho.

Nisto está a vantagem de sonhar, pois, quando mexe na maçã e esta se desprende, para SI MESMO ele está tocando algo mais que a maçã: toca sua mãe, Eva. O quitandeiro se chateia, talvez representando seu pai. Verificamos uma vez mais que, do mesmo modo que se deu com Adão e Eva, nenhum prazer é gratuito. Ser curioso e bisbilhoteiro custa, pelo menos, perder o paraíso.


GOLDIN, ALBERTO. Freud explica(ADAPTADO)

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